Bolsistas do edital de pesquisa e criação apresentam resultados em falas públicas

Aldemir Martins; Sem Título; 100x80cm; Fortaleza, 18/08/22; Foto: Nicolás Leiva;

O primeiro edital da Pinacoteca do Ceará voltado para a seleção de projetos de Pesquisa e Criação em artes visuais chega à sua fase final, quando os bolsistas apresentam os resultados de suas pesquisas em falas públicas. O edital cumpre o primeiro compromisso do equipamento de ser um espaço de experimentação, pesquisa e reflexão ao selecionar 12 artistas e/ou pesquisadores(as) para receber uma bolsa e desenvolver um projeto de criação artística ou de pesquisa nas exposições em cartaz da mostra “Bonito pra Chover”. A Pinacoteca do Ceará é um museu público que pertence à Rede de Espaços e Equipamentos Culturais da Secult-CE (Rece), com gestão do Instituto Mirante de Cultura e Arte.

Os projetos foram desenvolvidos entre 15 de fevereiro e 14 de abril, com os bolsistas divididos em: pesquisador curador; pesquisador arte-educador/acessibilidade estética; pesquisador de acervo museológico; artista local e artista regional. Destaca-se que o edital reservou vagas para pessoas pretas, pardas, indígenas, quilombolas, travestis, transexuais, transgêneros e pessoas com deficiência. Assim, a Pinacoteca se constrói como espaço de reconhecimento, apoio e visibilidade a artistas cearenses e brasileiros.

A primeira fala pública terá como tema “Artista Local e Curadoria” e acontece nesta quinta-feira, 20 de abril, às 18h, com mediação da orientadora dos trabalhos Beatriz Furtado, professora do Instituto de Cultura e Artes, da Universidade Federal do Ceará, e pós-doutora em Práticas Artísticas e Curatoriais. Merremii Karão Jaguaribaras, Iago Barreto e Climério Anacé, Terroristas del Amor e Érica Martins apresentam os trabalhos desenvolvidos no edital.

Para Beatriz, a pesquisa não é uma relação entre um sujeito e um objeto. “Não há hierarquias. Há encontros, achados, relações. A força da pesquisa se encontra numa relação de afetos (no que afeta, no que implica, no que mobiliza). Não há trabalho artístico que prescinda de vínculos, sobretudo vínculos com o Outro. O processo de pesquisa e criação das artistas Merremii Karão Jaguaribaras e das Terroristas del Amor – Dhiovana Barroso e Marissa Noana-, dos artistas Iago Barreto e Climério Anacé, e da pesquisadora curadora Érica Martins, grupo com o qual tive a oportunidade de estabelecer um diálogo, através deste que foi o primeiro edital de Pesquisa e Criação da Pinacoteca do Ceará, foi pautado pela matéria artística que cada trabalho revelava. Os vínculos com as obras expostas na Pinacoteca vieram tanto de trabalhos de artistas que compuseram o próprio grupo, quanto das conexões que foram sendo estabelecidas com as obras de outras pesquisas artísticas e curatoriais. Em comum, apenas para traçar uma linha orgânica e afetiva, há uma força do que essas pesquisas constroem com o mundo. Das forças ancestrais, da memória, da vida implicada com o Outro de Si mesmo está em cada uma das pesquisas”.

1. Pesquisa de Merremii Karão Jaguaribaras
A pesquisa da artista Merremii Karão Jaguaribaras dialoga de perto com obras de outres artistes indígenas em exposição na Pinacoteca, sobretudo pelas relações cromáticas dos pigmentos naturais e sua inscrição nos corpos. Investida de vínculos ancestrais, a artista parte de imagens da sua infância, quando observava seu avô na coleta de terras para produzir seus desenhos. Esse gesto em direção às potencialidades de materiais pictóricos vivos, incrustados no território, se atualiza quando a artista, na lida com a terra, raspa pedaços de rochas, formadas por grãos minerais transformados pelas ações climáticas, retirando das suas camadas a matéria da sua obra. Escavar a terra, coletar as cores, separar por seus tons, vestir as cores da terra no corpo. Expor. São os gestos da pesquisa.

Sobre a artista
Indígena, agricultora, Ambientalista, Artista Visual, residente em Kalembre (Aldeia) Feijão, Aratuba-CE. Graduada em Serviço Social, Graduanda em Sociologia na UNILAB-CE, Membro do grupo Tamain. Na arte preserva e promove saberes em diversas linguagens e, atualmente, desenvolve trabalho com artes visuais que tem como lema as linguagens ancestrais através dos grafismos e pinturas indígenas de seu povo. “Luto pela garantia e o mantimento do direito à diversidade, minha atuação se apresenta de forma efetiva onde muitas vezes faço a ponte das línguas de meu povo para a língua do Estado e vice versa. Na arte, preservo e promovo os saberes ancestrais em diversas linguagens. Sou parte do sangue derramado das caboclas serpentes: o clã das cobras pretas, da nação indígena Karão Jaguaribaras composta por mulheres guerreiras”, explica.

2. Pesquisa das Terroristas del Amor
As artistas Dhiovana Barroso e Marissa Noana, que formam o grupo As Terroristas del Amor, têm no cerne do trabalho a perspectiva Mátria, palavra que toma acento nas disputas contra-hegemônicas dos estudos de gênero. No trabalho das duas artistas, a perspectiva Mátria se funda nas indagações sobre como o presente dos seus corpos pode configurar suas imagens projetadas para as próximas cinco décadas. Mais que uma previsão sobre as marcas físicas do tempo, importa confabular sobre o que vive e guarda os traços de seus ancestrais. Esse trânsito espiralado de temporalidades, que se inscreve nos corpos, responde com tintas, desenhos, colagens, bordados e técnicas diversas à pergunta sobre o como viver no futuro. Um futuro no agora. Um entrelaçado de tempos confabulados na matéria artística.

Sobre as artistas
Terroristas del Amor é um coletivo formado pelas artistas fortalezenses Dhiovana e Marissa que teve início em 2018 e atua com diversas linguagens, entre elas, ilustrações, muralismo, animações, design, fotografias, bordados e outras experimentações no campo das artes visuais. Suas obras são, em grande maioria, autobiográficas e falam sobre os seus corpos, apresentando modos de defesa, proteção e ataque contra a heterocidade. Em 2020, participaram da exposição Conflito, Insurgências e Resistências, com o mural Truar, parceria com o Coletivo Nacional Trovoa, no SESC Santana, em São Paulo. No mesmo ano, fizeram parte da exposição Grande Circular com a obra “terraaterra”, no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar. Foram selecionadas em 2020 e 2019 para o Salão de Abril de Fortaleza.

3. Pesquisa de Iago Barreto e Climério Anacé
O trabalho de investigação de Iago Barreto e Climério Anacé, artistas e pesquisadores dos povos indígenas, resultou da imersão no arquivo de imagens produzidas por eles durante os acampamentos “Terra Livre”, nos quatro anos do governo Bolsonaro. O arquivo foi a fonte a partir da qual os recortes e ações sobre essas imagens foram sendo formuladas como uma intervenção na matéria. O trabalho com o vermelho foi ocupando lugar nas fotografias, ganhando força em conjunção com o contraste com o preto e branco, à medida em que o embate com as imagens reverberava, não apenas os fatos violentos que ocorreram nos acampamentos, mas toda uma expressividade de rostos e gestos impressos na matéria imagética. A problemática do lugar do registro de imagens no campo da arte, que aos poucos vai ocupando o espaço expositivo, parece ser a principal fonte de diálogo entre a pesquisa proposta e as obras expostas, sobretudo em Negros na Piscina.

Sobre o artista Iago
Artista, Arte Educador e Cineclubista. Colaborador do Museu Indígena Tremembé desde 2014, professor na escola de cinema indígena jenipapo-kanindé e Coordenador pedagógico da escola brotar Cinema com o Povo Anacé. Curador da exposição “Nas aldeias: o cotidiano sob o olhar da juventude indígena do Ceará”, e na “Sussurros Ancestrais”, exposição do Coletivo Tamain. Trabalha com arte educação dentro dos povos indígenas desde 2015, tendo feito formações de fotografia e vídeo em vários povos indígenas do Ceará, como os tapeba, pitaguary, tremembé, jenipapo-kanindé, anacé, kanindé, potiguara e tabajara.

4. Pesquisa de Érica Martins
O trabalho de pesquisa de Érica Martins se fez dos encontros com Nicia Barmann, entrevistas, desenhos, paisagens, aquarelas, fotografias e gravuras. Um mundo foi se revelando na pesquisa e apontando caminhos na imensidão de uma obra que dialoga profundamente com a vida da artista. No caminho da investigação, no entanto, havia uma caixa, um objeto onde Nicia guarda na memória a queima de seus desenhos. Sim, a caixa mudou o rumo da pesquisa. Sua materialidade se encontra nas lembranças da jovem Nicia, de quando escondia seus desenhos para que outros não os vissem, pois diziam não serem desenhos de boa qualidade. A caixa é, portanto, o grande achado da pesquisa de Érica Martins, a partir da qual vem sua proposta curatorial, em cujo esboço já se desenha uma possível exposição realizada a partir de cartografia de sua trajetória.
Sobre a artista

Possui formação acadêmica em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Fortaleza em 2008 e Pós-graduação em Design Industrial pelo Instituto Politécnico de Milão, Itália, 2012. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo + Design – UFC, 2019. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Arquitetura e Gênero, Projeto de Arquitetura e História da Arquitetura e do Design, Cenografia, Arquitetura Efêmera e de Interiores. É membro do grupo de trabalho sobre as condições de exercício profissional das mulheres na arquitetura e urbanismo no Ceará do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-CE). É professora visitante da Pós-Graduação do Curso de Arquitetura de Interiores da Unifor e do Curso de Arquitetura e Urbanismo na Unifametro.

Sobre a orientadora
Beatriz Furtado é professora do Instituto de Cultura e Artes, da Universidade Federal do Ceará. Tem pós-doutorado em Práticas Artísticas e Curatoriais, na Faculdade de Belas Artes, da Universidade de Lisboa, em “Cinema e Arte Contemporânea”, na Université Paris III, em Sorbonne-Nouvelle. É doutora em Sociologia (UFC) e estágio doutoral em Filosofia (Universidade de Lisboa). É mestre em Comunicação (Universidade Autônoma de Barcelona). É da coordenação do LEAA-Laboratório de Estudos e Experimentação em Artes e Audiovisual, desde 2006. É autora dos livros “Imagens Eletrônicas e Paisagem Urbana” (Relume-Dumará), “Cidade Anônima” (Hedra) e ” Imagens que Resistem” (Intermeios).

SERVIÇO

O que? Mesa “Artista Local e Curadoria” – I Edital de pesquisa e criação da Pinacoteca do Ceará
Onde? Ateliê 1 – Pinacoteca do Ceará (rua 24 de Maio, s/n, Praça da Estação, Centro)
Quando? Quinta-feira, 20 de abril, às 18h
Quem? Beatriz Furtado (mediadora) – Apresentação de pesquisas de: Merremii Karão Jaguaribaras, Iago Barreto e Climério Anacé, Terroristas del Amor e Érica Martins.
Como? Entrada franca